QUEBRA DO PACTO FEDERATIVO: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL ajuizou ação direta de inconstitucionalidade visando a interpretação conforme à Constituição ao artigo 76, inciso I, alíneas “b” e “c”, inciso II, alínea “b” e § 2° da Lei de Licitações (14.133).
A base fundamental da pretensão da OAB é evitar restrições à autonomia e liberdade patrimonial dos entes da federação, e, portanto, a violação ao pacto federativo.
A matéria discutida da ADI é de alta relevância, pois os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão sofrer impactos representativos em suas operações negociais, a depender do resultado final da ação em questão.
Conforme ressaltou a OAB, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar a questão apresentada na ação. No julgamento da ADI 927, a corte analisou norma com redação semelhante, quando não idêntica, aos dos dispositivos da nova lei ora impugnados, e que constavam na redação da norma anterior de licitações, a Lei n° 8.666/1993. Na ocasião, os dispositivos foram cautelarmente considerados inconstitucionais, nos termos da ementa a seguir transcrita:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA. Lei n. 8.666, de 21.06.93. I. – Interpretação conforme dada ao art. 17, I, “b” (doação de bem imóvel) e art. 17, II, “b” (permuta de bem movel), para esclarecer que a vedação tem aplicação no âmbito da União Federal, apenas. Idêntico entendimento em relação ao art. 17, I, “c” e par. 1. do art. 17. Vencido o Relator, nesta parte. II. – Cautelar deferida, em parte. (ADI 927 MC, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/1993, DJ 11-11-1994 PP30635 EMENT VOL-01766-01 PP-00039)
Entende a OAB que os referidos dispositivos da Lei nº 14.133/2021, constituem violação ao pacto federativo (art. 1º e 18) e aos limites da competência legislativa da União (art. 22, XXVII).
Questiona a amplitude e abrangência semântica da redação dos dispositivos impugnados, afirmando que, muito além de definir normas gerais, tal como preconizado pelo art. 22, XXVII, a Lei de Licitações, nos dispositivos apontados, imiscuiu-se em detalhes e em especificidades que retiram dos Estados, Municípios e do Distrito Federal a liberdade de disporem do seu próprio patrimônio nos exatos termos em que for mais conveniente a cada ente federado e sem descuidar das regras estabelecidos pelo Direito Administrativo.
A norma do art. 76, inciso I, alíneas “b” e “c”, e inciso II, alínea “b”, possuem em suas redações, expressão que representa uma interferência indevida da União no que tange às competências conferidas aos estados, DF e municípios, pois limita a capacidade de disposição patrimonial dos entes, em nítida violação do pacto federativo.
Dessa forma, devem os dispositivos receber interpretação conforme à Constituição, para que os trechos onde a norma autoriza essa limitação indevida sejam aplicados exclusivamente à União Federal.
Assim, entende que deve ser aplicado somente no âmbito da União Federal:
I. no art. 76, I, “b”, o trecho “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública”
II. II. no art. 76, I, “c”, o trecho “atendam aos requisitos relacionados às finalidades precípuas da Administração”
III. III. no art. 76, II, “b”, o trecho “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública”
Quanto ao §2º do art. 76, cuja redação é idêntica ao do art. 17, §1º da Lei n. 8.666/93, além de se reportar à alínea “b” do inciso I do mesmo artigo em ambas as leis, também foi cautelarmente suspenso pelo E. STF, de modo que o que se requer converge com o quanto fora decidido cautelarmente pela e. Corte no bojo da já citada ADI 927, na qual restou decidido de forma cautelar pela inconstitucionalidade das normas ali questionadas.
Os princípios jurídicos que sustentam o estado democrático de direito, sobretudo, no que diz respeito à independência e autonomia dos Municípios há de serem preservados nesta nova provocação ao STF que, ao dar interpretação às normas impugnadas conforme a Constituição, promoverá o reequilíbrio técnico jurídico pretendido.
Hebert Chimicatti
CEO e Fundador da Chimicatti Advogados