O controle externo na prevenção de desastres ambientais
Como a fiscalização e orientação dos Tribunais de Contas podem evitar retrocessos
No candente contexto da ocorrência de desastres ambientais que recentemente assolaram o país, foram editadas, no mês de junho deste ano, duas normas que complementam a legislação ambiental e urbana vigente, além da Política de Proteção e Defesa Civil, em prol da gestão de riscos e respostas a catástrofes da espécie: o Decreto federal nº 12.041/24, que estabelece o Programa Cidades Verdes Resilientes, e a Lei federal nº 14.904/24, que determina a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima para todos os entes federativos.
Apesar da novidade desses diplomas normativos, o tema em si não é novo. No plano internacional, Conferências das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres ao longo de décadas jogaram luzes para a importância de políticas públicas voltadas, inicialmente, para ações de resposta e reparação de danos de desastres e, em seguida, para a gestão do risco e fomento da resiliência.
Dois pontos podem ser destacados dessa abordagem: o primeiro são as evidências de que os gastos com ações de resposta e reparação superam em larga escala as despesas com prevenção. Nesse aspecto, vale mencionar que reportagem da Folha de S. Paulo apurou gastos do governo federal de R$ 1,05 bilhão para fazer frente a consequências de desastres em 2023, enquanto apenas R$ 36 milhões foram gastos com prevenção.
O segundo ponto é reconhecer que os desastres não são, em sua maioria, eventos imprevisíveis, sobretudo com o avanço tecnológico e aprimoramento das ciências meteorológicas, no caso de crises climáticas. Na realidade, o desastre ambiental resulta da interação entre concomitantes riscos e vulnerabilidades, agravada por falhas regulatórias. Daí a relevância da elaboração de políticas públicas que facilitem a gestão de riscos e evitem retrocessos socioambientais.
Apesar de não ser o formulador das políticas públicas, o controle externo está diretamente envolvido com essa missão. Os Tribunais de Contas rotineiramente analisam as despesas dos governos com a prevenção e a resposta aos desastres, tecendo recomendações e orientando quanto à previsão desses dispêndios nas leis orçamentárias, em especial para o fim de torná-las mais consistentes no planejamento de longo prazo e, assim, mitigar o impacto dos danos.
O caráter pedagógico dos Tribunais de Contas ganha força com inúmeras ferramentas postas à disposição dos gestores e que fortalecem também o controle social, a exemplo, o Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEG-M Brasil. Diversos de seus quesitos estão em harmonia com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
No que se refere à temática aqui tratada, duas áreas do IEG-M ganham destaque: i-Ambiental e i-Cidades. Em coleta desses dados realizada em 2022 e divulgada neste ano de 2024, foi possível identificar o quão defasados ainda estamos na preparação e na resposta aos desastres.
De se destacar que, do total de 2.239 municípios respondentes ao IEG-M Brasil, a média do i-Amb foi a nota C, ou seja, baixo nível de adequação.
Detalhando um pouco mais os seus quesitos, pode-se identificar, como ponto de atenção, que 679 municípios não participaram de nenhum programa de educação ambiental em 2022.
No que toca aos aspectos de planejamento, 548 não editaram um Plano Municipal de Saneamento Básico e, daqueles que o fizeram e que monitoram suas metas, 20% não possui nenhum cronograma com relação a essas metas. Dos 80% que o possuem, 53% não consegue cumprir os prazos ou atingem poucas das metas previamente estabelecidas.
Já no que se refere aos resíduos sólidos, a situação também é alarmante: 718 municípios ainda não possuem um Plano Municipal de Resíduos Sólidos, em total descompasso com a Lei federal nº 12.305/2010 e indicando completo despreparo para gerir os resíduos dos próprios desastres.
Quanto ao i-Cidades, os dados revelam que dos 2.239 municípios, apenas 1 preencheu a qualificação B+ (muito efetiva), tendo todos os demais igualmente aparecido na faixa de conceito C (baixo nível de adequação).
Nesse ponto, é de surpreender que, se por um lado, 78% dos municípios estruturaram suas equipes da Defesa Civil com uma Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil, 55% não capacita seus agentes.
O índice ainda demonstra que 942 municípios não mapearam áreas de risco de desastres em seus territórios até o ano de 2022, a despeito da correspondente determinação no artigo 42-A do Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/01). Ademais, 472 municípios não possuem mecanismos para proibir novas ocupações de áreas de risco, perpetuando não apenas vulnerabilidades para perdas de vidas e de bens no caso de um desastre, como também problemas de moradia digna.
Há de se destacar que 1.226 municípios informam a população sobre áreas de risco, sendo as divulgações majoritariamente feitas por meio das redes sociais. Por outro lado, 988 não possuem um canal de atendimento de emergência para a ocorrência de desastres, sendo que a maior parte dos que o possuem utiliza o telefone. Além disso, 621 não possuem sistema de alarme.
Esses dados denotam que aspectos básicos da estruturação da defesa civil são precários, estando os municípios carentes de ações mínimas de prevenção e resposta diante de eventos adversos da natureza, situação que não deve perpetuar, além de estar em completo descompasso com a legislação vigente e com as premissas do direito às cidades resilientes.
O diagnóstico, porém, é reversível e depende de boas ações de planejamento e execução orçamentária. O IEG-M Brasil, nesse aspecto, é um importante aliado dos gestores para evidenciar as prioridades de atuação e constitui ele próprio, por meio de seus quesitos, uma espécie de norte de atuação em prol da sustentabilidade. A ferramenta é acessível a todos por meio do link: https://iegm.irbcontas.org.br/ e aqui fica o nosso convite a esse acesso, visando ao aprimoramento das políticas públicas, da gestão orçamentária e dos riscos ambientais, a fim de pouparmos não só recursos financeiros, mas principalmente, vidas.
Cristiana de Castro Moraes
Conselheira-Corregedora do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo Pre-
sidente do Comitê Técnico de Avaliação de Indicadores de Gestão Pública – IEG-E/IEG-M e Vice-Presidente de Desenvolvimento e Políticas Públicas
do Instituto Rui Barbosa – IRB; Membro do Comitê Técnico de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Instituto Rui Barbosa – IRB
Manuela Prado Leitão
Assessora Técnica de Gabinete do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; Assistente Técnica do Comitê Técnico de Meio Ambiente e Sustentabilidade – IRB; Pós-Doutora pelo Centro de Síntese USP Cidades Globais, IEA/USP
REFERÊNCIAS:
FARBER, Daniel. Disaster Law and emerging issues in Brazil. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). 4 (I): p. 2-15, jan-jun. 2012.
FOLHA DE S. PAULO. Caderno Cotidiano. “Só 3% dos gastos do governo Lula com gestão de desastres vão para prevenção”. 19/01/2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/01/so-3-dos-gastos-do-governo-lula-com-gestao-de-desastres-vao-para-prevencao.shtml . Acesso em 9 jul. 2024.
LEITÃO, Manuela Prado; MALHEIROS, Tadeu Fabrício. Dos Riscos à Sustentabilidade Sistêmica: o necessário uso de indicadores pelos gestores públicos. Disponível em: http://www.iea.usp.br/pesquisa/projetos-institucionais/usp-cidades-globais/artigos-digitais/dos-riscos-a-sustentabilidade-sistemica-o-necessario-uso-dos-indicadores-pelos-gestores-publicos. Acesso em 9 jul. 2024.
MALHEIROS, Tadeu Fabrício; COUTINHO, Sonia Maria Viggiani; PHILIPPI JR, Arlindo. Indicadores de sustentabilidade: uma abordagem conceitual. IN: PHILIPPI JR, Arlindo; MALHEIROS, Tadeu Fabrício (Ed.). Indicadores de Sustentabilidade e Gestão Ambiental. cap. 2, p. 31-76. Barueri: Manole, 2012.
PINTO, Élida Graziane. Não é sustentável gerir mudança climática por crédito extraordinário. CONJUR, 14/05/2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-14/nao-e-sustentavel-gerir-mudanca-climatica-por-credito-extraordinario/ . Acesso em 20 maio 2024.
UNDRR – Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres. Disponível em: https://www.undrr.org/ . Acesso em: 09 jul. 2024.