Representatividade feminina nas Câmaras Municipais de São Paulo cresce, mas desafios persistem
Vereadoras eleitas no Estado falam do cenário político atual, dos avanços femininos e das dificuldades a serem superadas para consolidar a participação das mulheres na política
O aumento da participação feminina na política ainda enfrenta barreiras significativas em São Paulo, apesar de um crescimento modesto no número de vereadoras eleitas. Dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) mostram que, nas eleições de 2024, as mulheres conquistaram 1.221 cadeiras nas Câmaras Municipais, representando 17,35% dos eleitos. Em comparação com 2020, quando 1.095 mulheres (15,73%) foram eleitas, o aumento é visível, mas ainda insuficiente para alcançar uma paridade de gênero compatível com o perfil do eleitorado paulista, majoritariamente feminino.
Esse cenário reflete uma melhora tímida, já que, em 2020, cerca de 16% dos municípios paulistas não elegeram sequer uma mulher para suas Câmaras. Em 2024, esse número caiu para 12%, com 78 cidades sem vereadoras, mas a representatividade ainda está longe do ideal. Em 465 cidades do estado (72%), foram eleitas no máximo duas mulheres para os Parlamentos municipais, um dado que evidencia a necessidade de avanços mais substanciais.
As dificuldades para o avanço das mulheres na política têm raízes profundas, conforme destacam vereadoras eleitas no estado. Alliny Sartori, de Ibitinga, avalia que, embora o aumento de mulheres eleitas possa parecer um progresso, o cenário não é para otimismo. Ela destaca que o principal obstáculo é a cultura política enraizada, que favorece homens e limita o acesso das mulheres aos recursos de campanha e à exposição na mídia. “Quando partidos políticos são perdoados por não cumprirem as cotas ou por não distribuírem de forma igualitária recursos, tempo de TV, composição das executivas, isso exclui e afasta a mulher de conhecer os meandros das regras eleitorais”, explica.
A resistência dos partidos em promover mudanças significativas na estrutura de incentivo à participação feminina é um ponto crucial. Sartori enfatiza que a lei de cotas e o financiamento de campanhas femininas atingiram um limite da efetividade e que é necessário promover a inserção das mulheres nos diretórios partidários e nas tomadas de decisões internas.
Rogéria Gomes Milaus, de Borborema, acredita que os partidos precisam assumir um papel mais ativo no incentivo à participação feminina, promovendo eventos e atividades que aproximem as mulheres da política. “Assim, quando a janela eleitoral se abrir mais uma vez, não será necessário ficar ‘correndo atrás’ de mulheres para cumprir a cota mínima, pelo contrário, que tenhamos tantas mulheres interessadas em trabalhar pela população que seja necessário escolher as que de fato serão candidatas. Esse é o cenário que eu imagino”, diz.
A importância da representatividade
A presença de mais mulheres nos Parlamentos municipais pode trazer mudanças significativas na elaboração e implementação de políticas públicas. Milaus defende que a perspectiva feminina é essencial para o fortalecimento da democracia e para a construção de soluções mais eficazes para problemas sociais. “Uma visão mais pautada em cuidado, mais centrada no lado humano. Esse tipo de visão aplicada na elaboração de políticas públicas com certeza podem impactar muito na qualidade das ações elaboradas e implementadas. Para isso, temos que fortalecer a democracia, fazer com que todas as vozes, principalmente as femininas, sejam ouvidas e consideradas”, afirma.
Para Cleonice Gomes Claro, vereadora de Rincão, a ocupação de cargos políticos por mulheres pode ajudar a mudar a cultura política atual e criar um ambiente mais inclusivo. “A mulher é mais cuidadosa, e quando ocupamos cargos políticos, podemos ajudar a transformar o ambiente em um lugar mais acolhedor”, afirma. Ela observa que, mesmo com o aumento no número de vereadoras, ainda há desafios em cidades onde não há nenhuma mulher no ambiente político. “Em uma cidade que não há representatividade feminina, com certeza faltará debates de políticas públicas voltadas para as mulheres”, enfatiza.
Apesar dos avanços, os desafios para que mais mulheres ingressem na política são muitos. Sartori menciona as barreiras culturais e os boicotes enfrentados por mulheres, que muitas vezes são alvo de piadas e têm seus projetos rejeitados por razões que vão além do mérito. As estratégias para aumentar a participação feminina na política devem ser acessíveis e adaptadas às realidades locais, argumenta Sartori. A capacitação e qualificação de mulheres precisam ocorrer em municípios de pequeno e médio porte, não apenas em grandes centros urbanos. A aproximação com as Câmaras Municipais e Prefeituras, promovendo eventos de formação política local, é uma forma de incentivar mais mulheres e jovens a ingressarem na política.
Gomes Claro acredita que o apoio das mulheres entre si é essencial para a mudança. Ela observa que, embora as mulheres constituam a maioria do eleitorado, muitas ainda não votam em candidatas femininas. “Se tivéssemos mais apoio das próprias mulheres, o número de vereadoras eleitas poderia ser maior”, reflete.
O impacto do aumento da presença feminina nas Câmaras Municipais vai além de números e estatísticas. Como destaca Milaus, a ocupação de cargos políticos por mulheres pode inspirar outras a seguir o mesmo caminho, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária. “Quanto mais mulheres ocupando cargos políticos, mais mulheres vão perceber que não precisam ficar esperando as mudanças que desejam e que elas mesmas podem ser o motor dessas mudanças”, afirma.
A necessidade de uma democracia mais representativa, que reflita a composição da sociedade, é um dos motores para a busca por maior participação feminina na política. O exemplo de Bananal, onde seis mulheres foram eleitas, mostra que é possível alcançar avanços, mas ainda são poucas as cidades onde a maioria feminina se concretiza.
Para Cleonice Gomes Claro, “aos poucos vamos construindo uma sociedade mais justa e igualitária”. As vitórias e os espaços conquistados pelas mulheres nos últimos anos são frutos de uma luta contínua, que precisa ser fortalecida para garantir que os números de representatividade sejam mais condizentes com a realidade do eleitorado.
Embora o crescimento da participação feminina nas Câmaras Municipais de São Paulo seja um passo positivo, os desafios são consideráveis e exigem ações coordenadas para transformar esse aumento em um movimento sustentável de inclusão política. Os partidos políticos, a Justiça Eleitoral e a sociedade civil precisam atuar em conjunto para criar um ambiente mais favorável à participação das mulheres.
Uma nova visão para a política
Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas com foco em controle e defesa nacional pela USP, ressalta a visão das vereadoras eleitas sobre o cenário político atual e destaca o avanço no Estado. “O aumento no número de mulheres eleitas para as Câmaras Municipais em São Paulo nas eleições de 2024 é um sinal positivo de avanço na representatividade feminina na política. Esse crescimento indica uma maior valorização da participação das mulheres na tomada de decisões e na formulação de políticas públicas, além de refletir um esforço contínuo por igualdade de gênero”, diz. Ainda assim, Barbara enfatizou que o número de mulheres eleitas permanece aquém das expectativas, considerando a quantidade de eleitoras no estado.
Entre os principais obstáculos, Barbara apontou a persistência de estereótipos de gênero, a necessidade de conciliar múltiplas tarefas, falta de apoio financeiro e redes de influência, além do ambiente político hostil. “O financiamento político é muitas vezes dominado por redes de apoio que favorecem candidatos masculinos, dificultando a entrada de mulheres”, afirma. Segundo ela, há uma carência de mentorias e modelos femininos na política, o que dificulta o crescimento e a consolidação de candidaturas femininas.
O cenário é ainda mais preocupante em 78 municípios paulistas que não elegeram nenhuma mulher para as Câmaras. Para Barbara, mudanças são necessárias e urgentes com a necessidade de programas de financiamento voltados para candidaturas femininas, políticas de cotas eficazes e ações que combatam a violência política de gênero. Ela acrescenta que a criação de redes de apoio e a promoção de campanhas de conscientização também são fundamentais para mudar essa realidade.
Barbara enfatiza ainda o papel crucial dos partidos políticos na promoção da igualdade de gênero. Segundo ela, “os partidos têm a responsabilidade de priorizar a inclusão de mulheres em suas listas de candidaturas, garantindo que elas ocupem posições de destaque e visibilidade”. Além disso, é essencial criar um ambiente inclusivo e respeitoso, onde as mulheres se sintam seguras para expressar suas opiniões e participar ativamente.
Quanto ao impacto do aumento da presença feminina nas Câmaras, Barbara acredita que isso pode trazer uma abordagem mais colaborativa na elaboração de políticas públicas, além de colocar em pauta questões como saúde, educação e direitos das mulheres. Para ela, a diversidade enriquece o debate e resulta em políticas que atendem melhor às necessidades da população.