Metas do Milênio e a Responsabilidade Civil do Gestor Público pela Não-Observância

Metas do Milênio e a Responsabilidade Civil do Gestor Público pela Não-Observância

Desde sua criação em 2000, as Metas do Milênio, estabelecidas pela ONU, firmaram um compromisso global visando melhorias em áreas cruciais como a erradicação da pobreza, promoção da igualdade de gênero e desenvolvimento sustentável. Países signatários, como o Brasil, comprometeram-se a alcançar essas metas por meio de políticas públicas voltadas ao bem-estar social e ao desenvolvimento sustentável. Contudo, a não-observância dessas metas pode gerar consequências graves, principalmente no que se refere à responsabilidade civil dos gestores públicos.

Ao aderir ao compromisso das Metas do Milênio, o Brasil assumiu a responsabilidade de elaborar e aplicar políticas que garantam a realização desses objetivos. Isso envolve diretamente os gestores públicos, que podem ser responsabilizados civilmente pela ineficácia ou omissão no cumprimento dessas diretrizes, afetando o desenvolvimento social e a qualidade de vida. O artigo 3º da Constituição Federal destaca como objetivo do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e reduzir desigualdades sociais e regionais, pontos alinhados com as Metas do Milênio. A inobservância dessas diretrizes pode resultar na responsabilização dos gestores por omissão ou má gestão.

Segundo o artigo 37, §6º, da Constituição, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, ou seja, independentemente de dolo ou culpa, a administração pública é responsável pelos danos que seus atos causam a terceiros. A não-implementação de políticas públicas alinhadas às Metas do Milênio, caso resulte em danos à sociedade, pode gerar o dever de indenizar. Além disso, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/1992) impõe sanções aos gestores que desrespeitam os princípios da administração pública, como legalidade e eficiência. A omissão no cumprimento das metas pode ser considerada improbidade, levando à perda de cargo, multa e suspensão de direitos políticos.

Um dos aspectos mais sensíveis da gestão pública é a responsabilidade por omissão, que ocorre quando o gestor, tendo o dever de agir, não o faz, causando danos. No caso das Metas do Milênio, a ausência de políticas voltadas à erradicação da pobreza, educação de qualidade e saúde pode impactar negativamente a população. A jurisprudência brasileira já consolidou o entendimento de que a omissão na implementação de políticas públicas essenciais pode resultar na responsabilização do gestor, seja por inércia ou má administração de recursos.

Um exemplo prático é o aumento da pobreza extrema em certas regiões do Brasil, onde políticas públicas insuficientes afetam diretamente as famílias de baixa renda. Gestores podem ser responsabilizados por não atuarem para mitigar tais impactos, violando compromissos assumidos internacionalmente. Nesses casos, a omissão configura um ato passível de responsabilização civil e administrativa.

Além da responsabilização civil, o gestor pode enfrentar processos penais, principalmente em casos de prevaricação ou desvio de recursos públicos. Quando verbas destinadas a programas de combate à pobreza ou à promoção da educação e saúde são desviadas ou mal aplicadas, gestores podem responder criminalmente por tais atos. Instrumentos de controle social, como a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), permitem à sociedade monitorar a execução das políticas públicas e exigir transparência dos gestores.

Os Tribunais de Contas, o Ministério Público e as controladorias exercem um papel crucial na fiscalização do cumprimento das metas, detectando falhas e omissões. Essas instituições são fundamentais para garantir que os recursos públicos sejam aplicados de maneira eficiente e que gestores sejam responsabilizados por falhas na implementação das políticas públicas.

Em conclusão, a responsabilidade civil do gestor público pela não-observância das Metas do Milênio é essencial para o desenvolvimento do Brasil e a promoção do bem-estar social. Implementar políticas que cumpram os compromissos internacionais firmados é um dever constitucional e legal. O descumprimento dessas metas pode acarretar graves consequências jurídicas para os gestores, que devem responder por omissões ou má gestão de programas essenciais para a sociedade.

Dr. Hebert Chimicatti – Presidente da Chimicatti Advogados

Governança Cooperativa Aplicada à Gestão Pública: Um Modelo de Eficiência e Colaboração

Governança Cooperativa Aplicada à Gestão Pública: Um Modelo de Eficiência e Colaboração

A governança cooperativa emerge como uma abordagem inovadora para a gestão pública, promovendo um ambiente de colaboração e integração entre diversos fatores envolvidos na administração de recursos e serviços. Esse modelo busca transcender os limites tradicionais da gestão pública, enfatizando a importância da cooperação entre diferentes níveis de governo, setor privado, sociedade civil e demais partes interessadas. Este artigo explora o conceito de governança cooperativa, suas aplicações na gestão pública e os benefícios que pode trazer para a eficiência e eficácia das políticas públicas.

Sendo um modelo de gestão que se baseia na colaboração e no compartilhamento de responsabilidades entre múltiplos stakeholders. Ao invés de uma abordagem hierárquica e centralizada, a governança cooperativa promove a integração e a co-criação de soluções, permitindo que diferentes fatores contribuam para a formulação e implementação de políticas públicas.

Este modelo é caracterizado por:

– Participação Multissetorial: Envolvimento de diversos setores e atores sociais, incluindo governo, empresas, ONGs e cidadãos.

– Transparência e Comunicação: Facilitação do diálogo aberto e transparente entre todas as partes envolvidas.

– Responsabilidade Compartilhada: Distribuição de responsabilidades e tomada de decisões em conjunto, em vez de uma autoridade centralizada.

Na criação de políticas públicas permite uma abordagem mais inclusiva e participativa. Ao envolver diferentes stakeholders, é possível obter uma visão mais abrangente das necessidades e prioridades da comunidade. Consultas públicas, fóruns de discussão e grupos de trabalho são algumas das ferramentas utilizadas para assegurar a participação efetiva de todos os interessados.

Aplicações da Governança Cooperativa na Gestão Pública

  1. Desenvolvimento de Políticas Públicas: A governança cooperativa permite uma abordagem mais inclusiva e participativa na criação de políticas públicas. Ao envolver diferentes stakeholders, é possível obter uma visão mais abrangente das necessidades e prioridades da comunidade. Consultas públicas, fóruns de discussão e grupos de trabalho são algumas das ferramentas utilizadas para assegurar a participação efetiva de todos os interessados.
  2. Implementação de Projetos e Programas: A cooperação entre governo, setor privado e organizações não-governamentais pode aumentar a eficácia na implementação de projetos e programas. Parcerias público-privadas (PPPs) são um exemplo de como a colaboração entre setores pode gerar recursos e expertise adicionais, contribuindo para a execução bem-sucedida de iniciativas públicas.
  3. Gestão de Recursos e Serviços: A governança cooperativa pode melhorar a gestão de recursos e serviços públicos ao permitir uma abordagem mais coordenada e integrada. Por exemplo, na área da saúde, a cooperação entre diferentes níveis de governo e entidades privadas pode resultar em uma rede de serviços mais eficiente e acessível para a população.
  4. Resolução de Conflitos e Negociações: Em situações de conflito ou desacordo, a governança cooperativa pode facilitar a mediação e a negociação entre diferentes partes. A criação de comissões de mediação e o uso de métodos colaborativos podem ajudar a encontrar soluções que atendam aos interesses de todos os envolvidos.

Benefícios da Governança Cooperativa

  1. Aumento da Eficiência e Eficácia: A colaboração entre diversos atores pode levar a uma alocação mais eficiente de recursos e uma implementação mais eficaz de políticas. A integração de diferentes perspectivas e conhecimentos pode contribuir para soluções mais inovadoras e adequadas às necessidades da população.
  2. Fortalecimento da Legitimidade e Aceitação: A participação ativa de cidadãos e grupos de interesse no processo de tomada de decisão pode aumentar a legitimidade das políticas públicas e a aceitação das medidas adotadas. Quando as pessoas se sentem envolvidas e ouvidas, é mais provável que apoiem e cumpram as políticas implementadas.
  3. Promoção da Transparência e Accountability: A governança cooperativa promove a transparência ao abrir canais de comunicação e prestação de contas. A colaboração entre diferentes atores exige uma maior clareza sobre as ações e decisões tomadas, o que pode reduzir a corrupção e aumentar a confiança pública.
  4. Desenvolvimento de Capacidades e Competências: A cooperação entre diferentes setores e organizações pode contribuir para o desenvolvimento de capacidades e competências, tanto no setor público quanto no privado. O compartilhamento de conhecimentos e práticas pode levar a um aprimoramento das habilidades e do desempenho das entidades envolvidas.

Desafios da Governança Cooperativa

  1. Coordenação e Gestão de Conflitos: A coordenação entre múltiplos stakeholders pode ser complexa e desafiadora. É necessário estabelecer mecanismos eficazes para a gestão de conflitos e a tomada de decisões colaborativas.
  2. Equidade na Participação: Garantir que todos os atores tenham uma voz igual e representativa pode ser difícil. Existem riscos de que certos grupos ou interesses dominem o processo, excluindo vozes importantes.
  3. Cultura de Colaboração: A adoção da governança cooperativa requer uma mudança cultural significativa, tanto no setor público quanto no privado. A construção de uma cultura de colaboração e confiança pode levar tempo e esforço.

Considerações Finais

A governança cooperativa representa uma evolução significativa na gestão pública, oferecendo um modelo que valoriza a colaboração e a participação ativa de múltiplos atores. Ao promover uma abordagem integrada e transparente, este modelo pode melhorar a eficiência, a eficácia e a legitimidade das políticas públicas. No entanto, sua implementação bem-sucedida requer uma gestão cuidadosa dos desafios e um compromisso com a construção de parcerias efetivas. Com a abordagem correta, a governança cooperativa tem o potencial de transformar a administração pública e criar um ambiente mais colaborativo e responsivo às necessidades da sociedade.

Dr. Hebert Chimicatti

Protocolo Geral de Conformidade para a Proteção da mulher no ambiente de trabalho (PGCM) e a Lei nº 14.540/2023

Protocolo Geral de Conformidade para a Proteção da mulher no ambiente de trabalho (PGCM) e a Lei nº 14.540/2023

O contexto social e político mundial demonstrou, ao longo das últimas décadas, avanços importantes na luta pela igualdade de gênero e proteção das mulheres.

Acordos internacionais e normas internas de diversos países estabelecem medidas visando à equidade e à participação plena e equitativa das mulheres no ambiente de trabalho.

No Brasil, legislações conhecidas como “Lei Maria da Penha”, “Lei do Feminicídio”, entre outras, tem estabelecido regras que visam acompanhar esse movimento e minimizar as desigualdades de gênero existente.

Especificamente em relação ao setor público, foi publicada a Lei nº 14.540, de 3 de abril de 2023, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.

Esta lei estabelece diretrizes a serem seguidas no planejamento e implementação de ações e estratégias relativas a crimes contra a dignidade sexual e à violência sexual contra as mulheres, em prol de um ambiente mais seguro e protegido para as mulheres.

Há, contudo, desafios estruturais e profundos que limitam a efetiva implementação dessas metas.

A discriminação de gênero e o assédio da mulher são questões recorrentes nas instituições.

Barreiras como o impedimento a ascensão das mulheres a cargos mais altos de chefia e direção, a violência psicológica, o assédio sexual e moral ainda ocorrem e prejudicam sobremaneira o pleno desenvolvimento profissional da mulher.

Diante desse cenário, o advogado Hebert Chimicatti do Escritório Chimicatti Advogados, com sede em São Paulo, destaca que é fundamental buscar mecanismos que facilitem a efetiva concretização dessas medidas pelo órgão público.

Nesse sentido, foi desenvolvido um Protocolo Geral de Conformidade para Proteção das Mulheres (PGCM), que oferece diretrizes claras, ações práticas e medidas de monitoramento contínuo para assegurar que as instituições públicas estejam em conformidade com a legislação vigente e implementem políticas eficazes de proteção, igualdade de oportunidades e prevenção de assédio e discriminação contra as mulheres.

Esse protocolo, fundamentado em normas e tratados, bem como em política de boas práticas referentes ao tema, assenta-se em quatro pilares, quais sejam, prevenção, denúncia e proteção, monitoramento e avaliação, bem como conformidade e certificações.

Trata-se de uma ferramenta de efeitos concretos e imediatos que reforça o compromisso da entidade pública com os princípios de ética, igualdade e responsabilidade social, gera inegáveis benefícios não só às mulheres, mas à instituição como um todo, e contribui efetivamente com a consolidação do Brasil como um país mais justo e inclusivo.

Organismos Internacionais como Fonte de Financiamento da ESG (Environmental, Social and Governance)

Organismos Internacionais como Fonte de Financiamento da ESG (Environmental, Social and Governance)

Dra. Vivian Azevedo Rodrigues – Advogada na Chimicatti Advogados

ESG (Environmental, social and Governance), sigla em inglês para Meio Ambiente, Social e Governança, constitui-se como um conjunto de critérios norteadores para a consecução de práticas empresariais responsáveis e em consonância com os atuais valores mundialmente estabelecidos para salvaguarda do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável por meio de uma adequada e responsável política de governança corporativa global.

O conceito de ESG permite a avaliação do desempenho de uma organização não apenas sob o aspecto financeiro, mas também em relação ao impacto ambiental, ao compromisso social e à estrutura de governança.

A adoção de práticas ESG, além de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável, também está associada a uma gestão de riscos mais robusta e à valorização das empresas no longo prazo, em consonância com os matizes Constitucionais.

A necessidade de implementação das práticas ESG implica necessariamente na captação de recursos para seu desenvolvimento e inserção. Nesse prisma, organismos internacionais desempenham um papel fundamental ao fornecerem financiamento e suporte técnico para promoção de projetos sustentáveis, especialmente em países em desenvolvimento.

Embora atualmente em destaque, o termo ESG não é novo, tendo surgido pela primeira vez em 2004, no relatório “Who Cares Wins”, fruto de uma parceria entre o Pacto Global da ONU e o Banco Mundial.

O referido relatório destacou a necessidade de incorporar fatores ambientais, sociais e de governança nas decisões de investimento, visando a construção de um sistema financeiro mais estável e sustentável. Desde então, o conceito ESG evoluiu e tornou-se um critério fundamental na análise de risco e retorno de investimentos.

A evolução histórica do ESG está intrinsicamente ligada a marcos importantes, como a criação dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI) em 2005, a fundação do Sustainability Accounting Standards Board (SASB) em 2011 e o lançamento da Agenda 2030 da ONU com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2015.

As práticas ESG e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), compartilham o propósito de promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo em escala global.

Enquanto os ODS fornecem um framework amplo e direcionado a governos e organizações para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir paz e prosperidade, as práticas ESG aplicam esses princípios ao contexto corporativo, incentivando empresas a adotarem políticas e práticas que contribuam para esses objetivos.

É o que se extrai, por exemplo, do ODS 13, que trata da Ação Contra a Mudança Global do Clima, 8, que promove trabalho decente e crescimento econômico e 16, que visa promover instituições eficazes, responsáveis e inclusivas.

Esses marcos trouxeram para o debate global a necessidade de uma integração mais profunda entre as práticas empresariais e a sustentabilidade, refletindo preocupações que já estavam presentes na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A norma do artigo 225 da Constituição já estabelecia que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, criando um fundamento jurídico sólido para a implementação de práticas ESG no país.

Vê-se que a incorporação dos critérios ESG é atualmente essencial não apenas para atender às expectativas de investidores e consumidores, mas também para contribuir com o alcance do desenvolvimento sustentável global, com a adequada mitigação de riscos, uma vez que empresas que adotam práticas ESG tendem a apresentar uma melhor performance financeira a longo prazo, além de reduzirem o risco de litígios e danos reputacionais.

A própria Constituição brasileira, em seu artigo 170, incisos VI e VIII, define a defesa do meio ambiente e a busca pelo pleno emprego como princípios da ordem econômica, evidenciando a importância da sustentabilidade e da responsabilidade social na condução da atividade econômica.

Em 2020, a BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, anunciou que integraria critérios ESG em todo o seu portfólio, demonstrando o crescente compromisso de investidores institucionais com a sustentabilidade. Além disso, o aumento na emissão de títulos verdes e sociais, como os green bonds e os social bonds, reflete a demanda crescente por investimentos que promovam impactos positivos para a sociedade e o meio ambiente.

No contexto brasileiro, a adoção de práticas ESG também se mostra estratégica. Instituições financeiras, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), têm oferecido linhas de crédito voltadas para projetos sustentáveis. Além disso, a legislação brasileira começa a incorporar aspectos ESG, como a Resolução nº 4.327/2014 do Conselho Monetário Nacional, que obriga instituições financeiras a estabelecer políticas de responsabilidade socioambiental.

Embora absolutamente necessária a implementação de práticas exige necessariamente investimentos significativos em tecnologia, infraestrutura e treinamento.

Organismos internacionais, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Corporação Financeira Internacional (IFC), desempenham um papel crucial ao oferecerem linhas de crédito, garantias e assistência técnica para projetos que visam à sustentabilidade, em consonância ao que estabelece a norma do artigo 218, da Constituição da República, ao preconizar o incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico, como essencial para a inovação e implementação de práticas sustentáveis.

Esses financiamentos internacionais ajudam a mitigar as barreiras financeiras. Tais recursos são especialmente importantes em países emergentes, onde a falta de infraestrutura e a instabilidade econômica podem representar obstáculos significativos.

Além disso, o acesso a financiamentos internacionais pode atrair investimentos externos, ao promover a transferência de tecnologia e estimular o desenvolvimento de novas capacidades industriais e operacionais.

Em nível nacional importantes iniciativas estão sendo frequentemente estimuladas através de importantes Políticas Públicas. A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) são exemplos de legislações que estabelecem diretrizes claras para a atuação das empresas em consonância com os princípios ESG, reforçando a necessidade de financiamento adequado para a implementação dessas práticas.

Cumpre frisar que a obtenção de financiamento internacional requer conformidade com uma série de requisitos e regulamentações que muitas vezes excedem as exigências locais. Isso inclui o cumprimento de políticas de salvaguardas ambientais e sociais, a transparência na utilização dos recursos e a prestação de contas aos financiadores, o que, usualmente, conclama a necessidade de uma adequada assessoria jurídica.

Com efeito, embora a obtenção de financiamento ESG por organismos internacionais propicie os recursos necessários para a implementação de projetos sustentáveis, ele também estabelece um conjunto de exigências jurídicas que influenciam diretamente a governança corporativa e as políticas públicas dos países beneficiários. A conformidade com as políticas de salvaguardas dos financiadores internacionais, por exemplo, é um requisito essencial para a aprovação e execução de projetos.

As políticas de salvaguarda incluem diretrizes rigorosas sobre a proteção ambiental, os direitos sociais e a transparência na governança. Empresas que buscam acessar esses financiamentos precisam estar preparadas para demonstrar conformidade com essas exigências, o que pode exigir a adoção de novas práticas e processos internos.

Noutro giro, a adequada conformidade com as exigências para obtenção de financiamentos internacionais contribui também para o fortalecimento do arcabouço regulatório nacional, criando um ambiente mais favorável, transparente e seguro ao concomitantemente impulsionar o desenvolvimento sustentável. Oportuno frisar que o artigo 5º da Constituição da República, ao assegurar o direito à informação, e o artigo 37, que trata dos princípios da administração pública, reforçam a necessidade de transparência e prestação de contas e a simbiose entre os setores público e privado, como aspectos centrais para a governança ESG.

Nesse sentido, a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) desempenha um papel crucial ao garantir a transparência e a publicidade dos atos governamentais, facilitando o monitoramento e a prestação de contas de projetos financiados por organismos internacionais.

Os mecanismos de financiamento para implantação das práticas ESG são múltiplos e podem incluir empréstimos, garantias, subsídios e/ou investimentos diretos.

No Brasil, o BNDES tem desempenhado um papel fundamental no apoio a projetos sustentáveis por meio de programas como o BNDES Finame Baixo Carbono e o Programa ABC, voltado para a agricultura de baixa emissão de carbono. Além disso, a emissão de títulos verdes no mercado doméstico e internacional tem se consolidado como uma importante ferramenta para captar recursos destinados a projetos sustentáveis.

Já, em nível internacional, o Banco Mundial, o BID e o Banco Europeu de Investimento (BEI) oferecem uma ampla gama de produtos financeiros para apoiar projetos que promovem a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, a eficiência energética e a inclusão social. O Fundo Verde para o Clima (GCF) é outro exemplo de fonte de financiamento que visa apoiar países em desenvolvimento na implementação de práticas sustentáveis.

A emissão de green bonds e social bonds também se destaca como uma das principais fontes de financiamento internacional para projetos ESG. Esses títulos permitem que empresas e governos captem recursos no mercado financeiro global para financiar projetos que gerem benefícios ambientais ou sociais. A regulamentação desses títulos, ainda em constante desenvolvimento, oferece um grau adicional de transparência e credibilidade aos investidores.

No Brasil, a Lei federal nº 13.800/2019, que dispõe sobre a criação de fundos patrimoniais, já é adotada como base para a captação e gestão de recursos destinados a projetos ESG, reforçando a possibilidade de financiamento privado para iniciativas sustentáveis.

Percebe-se que a integração dos critérios ESG nas estratégias empresariais e nas políticas públicas é fundamental para enfrentar os desafios globais de sustentabilidade e desenvolvimento econômico inclusivo. Organismos internacionais, ao fornecerem financiamento e suporte técnico, não apenas viabilizam a implementação dessas práticas, mas também influenciam o desenvolvimento jurídico e regulatório dos países receptores.

O financiamento nacional e internacional voltado para práticas ESG é uma oportunidade para alinhar países e empresas aos objetivos globais de sustentabilidade, promovendo a modernização do arcabouço regulatório e a construção de uma economia de baixo carbono e mais justa. No entanto, é essencial que esses recursos sejam utilizados de forma transparente e eficiente, garantindo que os benefícios sejam amplamente compartilhados e contribuam para o desenvolvimento sustentável de longo prazo.

As implicações jurídicas e regulatórias associadas ao financiamento ESG exigem uma abordagem integrada e proativa, que considere tanto as exigências internacionais quanto as necessidades locais, assegurando a conformidade e a eficácia das políticas implementadas.

Dessa forma, a colaboração entre governos, empresas e organismos internacionais é vital para mobilizar os recursos necessários e implementar políticas e práticas que promovam a sustentabilidade ambiental, social e de governança, garantindo um futuro mais sustentável e equitativo para todos.

ÉTICA NA POLÍTICA E NO PODER PÚBLICO

ÉTICA NA POLÍTICA E NO PODER PÚBLICO

ÉTICA NA POLÍTICA E NO PODER PÚBLICO

Por João Costa, Advogado e Consultor Jurídico da UVESP


A ética na política e no poder público é um dos pilares essenciais para a construção de uma sociedade justa e democrática. A transparência, a legalidade e o respeito ao bem comum são valores que devem nortear todas as ações de gestores e agentes públicos. Este livreto apresenta uma visão sobre como a ética deve permear as ações políticas e a administração pública, com foco especial nas áreas de saúde, educação e segurança pública, fundamentais para a vida do cidadão.

O que é Ética na Política e no Poder Público?
A ética na política refere-se ao comportamento justo, honesto e transparente no exercício de funções públicas. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, caput, estabelece que a administração pública deve seguir os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Art. 37, CF/88: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também ao seguinte…”
A ética vai além do cumprimento estrito das leis. Ela inclui o respeito à moralidade pública, à transparência e à responsabilidade com o uso de recursos e na execução de políticas que afetam a vida de milhões de cidadãos.

Princípios Fundamentais da Ética Política
Os princípios éticos que devem guiar a política e o poder público são:
• Legalidade: Agir conforme as leis e regulamentos. O gestor público deve sempre pautar suas ações em consonância com as normas jurídicas vigentes.
• Impessoalidade: A administração pública deve atender ao interesse público, sem favorecimento pessoal. A impessoalidade é fundamental para garantir que as ações públicas sejam justas e objetivas.
• Moralidade: Além da legalidade, o gestor público deve adotar uma conduta ética que respeite os princípios da boa-fé e da integridade, conforme previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
• Transparência: O acesso às informações públicas é garantido pela Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), que assegura a divulgação de dados sobre o uso dos recursos públicos e a gestão governamental.
• Responsabilidade: Todo agente público deve ser responsável por suas ações e decisões, prestando contas regularmente, conforme a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que visa garantir a responsabilidade na gestão fiscal.

Corrupção e a Falta de Ética
A corrupção é uma das principais causas de enfraquecimento da ética no poder público. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) disciplina a punição de atos de corrupção que resultem em enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação de princípios administrativos.
Art. 9º, Lei nº 8.429/1992: “Constitui ato de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade pública.”
Jurisprudência:

STJ, REsp 1.119.467/SP: “A prática de atos que violam os princípios da legalidade, moralidade e eficiência na gestão pública caracteriza a improbidade administrativa, independentemente de dano direto ao erário.”

Ética na Gestão da Saúde
A gestão pública da saúde deve garantir o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, conforme o art. 196 da Constituição Federal. A ética na gestão da saúde pública envolve o uso adequado dos recursos e a priorização das necessidades da população, especialmente das camadas mais vulneráveis.
Art. 196, CF/88: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
O desvio de recursos destinados à saúde pública é um ato grave que fere a dignidade da população, resultando em má qualidade no atendimento, falta de medicamentos e precariedade na infraestrutura hospitalar.

Ética na Gestão da Educação
A educação é um direito fundamental, previsto no art. 205 da Constituição Federal, que visa o desenvolvimento humano e o preparo para o exercício da cidadania. A ética na administração da educação pública envolve a correta aplicação dos recursos, a melhoria da infraestrutura escolar e a valorização dos profissionais da educação.
Art. 205, CF/88: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Jurisprudência:

STF, ADI 4167/DF: “A má alocação de recursos educacionais pode ensejar controle judicial de políticas públicas, visando garantir o direito constitucional à educação de qualidade.”

Ética na Segurança Pública
A segurança pública, garantida pelo art. 144 da Constituição Federal, é um dever do Estado e um direito dos cidadãos. Uma gestão ética da segurança pública deve garantir que as ações das forças de segurança respeitem os direitos humanos e o devido processo legal, prevenindo o abuso de poder.
Art. 144, CF/88: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.”
Jurisprudência:

STF, HC 104410/SP: “A atuação das forças de segurança deve sempre respeitar os princípios da legalidade, proporcionalidade e dignidade humana, evitando abusos e garantias de direito.”

Transparência e Prestação de Contas
A transparência na gestão pública é assegurada pela Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), que garante a qualquer cidadão o direito de acessar informações sobre atos da administração. Além disso, a prestação de contas dos gestores é regulamentada pela Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que estabelece mecanismos de controle e fiscalização dos gastos públicos.
Art. 9º, Lei Complementar nº 101/2000: “O Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão referida no §1º do art. 166 da Constituição Federal.”

O Papel da Sociedade na Fiscalização
A participação da sociedade é essencial para a fiscalização dos atos do poder público. A Lei nº 14.133/2021, que substitui a antiga Lei de Licitações, reforça os mecanismos de controle social sobre as contratações públicas.
Art. 174, Lei nº 14.133/2021: “Qualquer pessoa poderá representar ao Tribunal de Contas ou ao órgão de controle interno sobre irregularidades na aplicação desta Lei.”
Jurisprudência:

STF, MS 26.578/DF: “O controle social das ações administrativas é direito constitucional e dever do cidadão, sendo um mecanismo essencial para a preservação da moralidade e legalidade no exercício do poder público.”

Educação para a Cidadania Ética
A educação para a cidadania é essencial para formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996) estabelece que a educação deve promover o desenvolvimento integral do educando e prepará-lo para o exercício da cidadania e o mundo do trabalho.
Art. 2º, Lei nº 9.394/1996: “A educação, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Conclusão
A ética na política e no poder público é a base para a construção de um governo justo, transparente e comprometido com o bem comum. O respeito às leis, a moralidade na gestão pública e o controle social são fundamentais para garantir que áreas essenciais como saúde, educação e segurança sejam administradas de forma eficiente e equitativa.
Legislações como a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) desempenham um papel crucial na garantia de uma gestão pública ética e transparente. O fortalecimento desses instrumentos legais, aliado à participação ativa da sociedade na fiscalização, é o caminho para uma administração pública mais eficiente e para o combate à corrupção.
A educação para a cidadania ética também é um fator determinante para que, desde a formação escolar, os indivíduos compreendam seus direitos e deveres e, assim, contribuam ativamente para a construção de uma sociedade mais justa. Compreender o funcionamento das instituições, conhecer as leis e exigir o cumprimento delas são ações fundamentais para que todos colaborem com o fortalecimento da democracia.
Portanto, é papel tanto do gestor público quanto da sociedade zelar pela integridade e moralidade na administração pública, visando sempre o bem coletivo. Somente através de uma gestão pautada pela ética e pelo respeito aos princípios constitucionais, podemos garantir uma sociedade mais justa, com qualidade nos serviços públicos e respeito aos direitos fundamentais.
Assim, a ética na política e no poder público não é apenas uma expectativa, mas uma exigência para a consolidação de uma democracia sólida e justa. Somente com gestores comprometidos com os princípios morais e com a constante fiscalização da sociedade, poderemos alcançar um Estado que verdadeiramente atenda aos interesses da população, oferecendo serviços de qualidade e promovendo a dignidade de todos os cidadãos.
Portanto, cabe a todos — políticos, servidores públicos e cidadãos — zelar pela ética e pela transparência no exercício do poder, sempre em busca de um país mais justo, honesto e democrático.

Material desenvolvido por: JOÃO BATISTA COSTA / OAB/SP 108.200

Orçamento Impositivo: Mecanismo de Dinâmica na Administração Municipal

Orçamento Impositivo: Mecanismo de Dinâmica na Administração Municipal

Dr. Hebert Chimicatti – Presidente da Chimicatti Advogados

O conceito de Orçamento Impositivo, especialmente na esfera municipal, representa uma importante mudança no processo de alocação e execução dos recursos públicos. Trata-se de mecanismo que confere autonomia e previsibilidade às ações governamentais, promovendo uma gestão transparente e democrática.

O Orçamento Impositivo pode ser compreendido como uma modalidade de execução orçamentária que obriga o poder executivo a cumprir determinadas previsões de despesas aprovadas pelo legislativo, limitando a discricionariedade do gestor público na execução das emendas parlamentares. Em termos simples, ele transforma as emendas dos vereadores ao orçamento municipal em despesa obrigatória, dando-lhes caráter vinculante, ou seja, o prefeito é obrigado a executar o que foi aprovado no orçamento.

A proposta do Orçamento Impositivo foi consolidada através da Emenda Constitucional nº 86/15, que introduziu a obrigatoriedade de execução de emendas parlamentares ao Orçamento Geral da União. Na administração municipal, o princípio é o mesmo, com singelas adaptações, visando dar maior poder de decisão ao legislativo local e assegurar a aplicação dos recursos em áreas estratégicas indicadas pelos vereadores.

A adoção do Orçamento Impositivo impacta para a dinâmica da administração pública municipal, podendo destacar:

1. Fortalecimento do Poder Legislativo: O Orçamento Impositivo confere ao legislativo maior influência sobre a destinação de recursos públicos. Isso porque as emendas parlamentares passam a ser obrigatoriamente executadas, assegurando que os projetos e demandas sejam atendidas, o que contribui para o equilíbrio entre os poderes e assegura maior representatividade das necessidades da população.

2. Redução da Discricionariedade do Executivo: Tradicionalmente, o poder executivo possui ampla discricionariedade na execução do orçamento, podendo decidir, de acordo com suas prioridades, quais projetos e ações receberão os recursos aprovados. Com o Orçamento Impositivo, essa margem de escolha é limitada, o que exige uma reorganização das estratégias de gestão, planejamento e execução das políticas públicas.

3. Maior Transparência e Controle Social: O caráter obrigatório da execução das emendas amplia a transparência na gestão dos recursos públicos, uma vez que as destinações orçamentárias são determinadas previamente e devem ser cumpridas. Isso também facilita o controle social, pois a população e os órgãos de fiscalização têm clareza sobre como os recursos serão utilizados, promovendo uma maior participação cidadã.

4. Desafios de Implementação: Apesar das vantagens, a implementação do Orçamento Impositivo pode enfrentar desafios, especialmente em municípios de pequeno e médio porte. A obrigatoriedade de execução das emendas pode esbarrar em limitações financeiras, uma vez que o orçamento municipal é muitas vezes restrito e sujeito a contingências econômicas. Além disso, o planejamento adequado e a capacidade técnica para a execução das emendas podem ser limitados, o que demanda uma maior capacitação das equipes de gestão.

Para que o Orçamento Impositivo seja efetivo, é essencial que o município desenvolva um planejamento orçamentário sólido e bem estruturado. Isso envolve a adoção de práticas que permitam uma previsão mais precisa das receitas e despesas, além de mecanismos de contingenciamento que possam garantir a execução das emendas parlamentares sem comprometer a sustentabilidade fiscal do município.

O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) continuam sendo os principais instrumentos de planejamento da gestão pública municipal. O Orçamento Impositivo deve ser compatibilizado com essas ferramentas, assegurando que as prioridades elencadas pelos vereadores sejam integradas de forma coerente ao planejamento global do município.

A principal beneficiária do Orçamento Impositivo é a população, que passa a ter garantias de que as demandas identificadas por seus representantes eleitos serão atendidas. Muitas vezes, as emendas parlamentares são direcionadas a projetos que atendem a necessidades locais específicas, como melhorias em infraestrutura, saúde e educação, áreas essenciais para a qualidade de vida nos municípios.

Além disso, o Orçamento Impositivo pode contribuir para um melhor relacionamento entre o executivo e o legislativo, uma vez que o prefeito, ao ter a obrigação de executar as emendas, precisa desenvolver um diálogo mais próximo e colaborativo com os vereadores, visando uma gestão mais integrada e eficiente.

O Orçamento Impositivo, quando bem implementado, pode se tornar uma ferramenta poderosa para aprimorar a gestão pública municipal, fortalecendo o papel do legislativo, promovendo maior transparência e assegurando que as prioridades locais sejam atendidas. No entanto, sua adoção exige uma capacidade técnica robusta por parte das administrações municipais e um planejamento orçamentário cuidadoso, de modo a evitar dificuldades financeiras e garantir o sucesso na execução das políticas públicas.

Em última análise, o sucesso do Orçamento Impositivo depende do equilíbrio entre os poderes e do comprometimento de todos os agentes políticos em buscar o melhor para a população, dentro dos limites fiscais e da realidade orçamentária de cada município.

Regularização Fundiária: Dever Municipal e Potencial Fonte de Arrecadação

Regularização Fundiária: Dever Municipal e Potencial Fonte de Arrecadação

Por Hebert Chimicatti

A regularização fundiária desempenha um papel crucial na organização do espaço urbano e rural e pode se revelar uma importante fonte de arrecadação para os municípios. Esse processo visa legalizar áreas ocupadas irregularmente, oferecendo segurança jurídica aos moradores e permitindo que as administrações municipais arrecadem impostos e taxas sobre essas propriedades.

O conceito de regularização fundiária envolve a criação e aplicação de normas que regulam o uso e a ocupação do solo urbano e rural. Isso inclui desde o zoneamento — que define áreas residenciais, comerciais e industriais — até a emissão de licenças para construções e reformas. O objetivo é evitar a ocupação desordenada e problemas como gentrificação, congestionamento urbano e degradação ambiental. Além disso, busca-se garantir que o crescimento urbano e a ocupação das áreas rurais atendam às necessidades da população e amparem as famílias envolvidas com a agricultura familiar nas áreas rurais.

O papel dos municípios na regularização fundiária é de extrema importância, sendo eles os responsáveis por planejar, executar e monitorar as ações necessárias para integrar imóveis irregulares ao cadastro formal. Esse dever está respaldado pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que conferem aos municípios a competência para promover o ordenamento do território, especialmente em áreas urbanas. Além disso, a Lei nº 13.465/2017 e a Lei nº 11.952/2009 estabelecem diretrizes para a regularização fundiária rural e urbana, incluindo áreas da Amazônia Legal.

Entre as responsabilidades municipais estão a identificação e o mapeamento das áreas com ocupações irregulares, a elaboração de projetos de regularização, a emissão de títulos de propriedade para garantir segurança jurídica e inclusão no cadastro municipal, e a fiscalização e monitoramento das áreas para manter as condições urbanísticas e rurais adequadas. Cumprir essas responsabilidades traz diversos benefícios sociais, como a redução da desigualdade, a valorização das propriedades, a inclusão social e a garantia da segurança jurídica da posse da terra. Esses fatores contribuem para melhorar a qualidade de vida e a dignidade dos cidadãos.

Além dos benefícios sociais, a regularização fundiária também pode ser uma significativa fonte de arrecadação para os municípios. A formalização dos imóveis e a sua inclusão no cadastro municipal ampliam a base tributária, possibilitando a cobrança de impostos e taxas. O IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), por exemplo, pode financiar serviços públicos e obras de infraestrutura. O ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) incide sobre as propriedades rurais, gerando recursos para as prefeituras onde as fazendas estão localizadas.

As taxas de regularização, associadas à emissão de títulos de propriedade e à urbanização de áreas, ajudam a custear as despesas administrativas e operacionais do processo. Contribuições de melhoria, como pavimentação, iluminação pública e saneamento básico, também são possíveis fontes de receita. Além disso, a regularização pode estimular o desenvolvimento econômico local, promovendo o surgimento de novos comércios e empreendimentos.

A regularização fundiária é, portanto, um dever essencial dos municípios brasileiros, representando um passo decisivo para a justiça social e o desenvolvimento urbano sustentável. Ao integrar imóveis irregulares ao cadastro formal, os municípios não apenas asseguram o direito à moradia e à propriedade, mas também ampliam sua capacidade de arrecadação, gerando recursos para investimentos em infraestrutura e serviços públicos. Para maximizar esses benefícios, é fundamental implementar reformas fiscais e políticas eficazes de uso do solo, garantindo uma distribuição equitativa dos benefícios e uma arrecadação sustentável a longo prazo.

PPP e Consórcios Intermunicipais Multifinalitarios: soluções eficazes para o cumprimento da agenda 2030 da ONU

PPP e Consórcios Intermunicipais Multifinalitarios: soluções eficazes para o cumprimento da agenda 2030 da ONU

O poder público Municipal, responsável direto pela administração de políticas no mundo real das pessoas, sabe-se, enfrenta, na grande maioria de suas administrações, dificuldades e problemas decorrentes de suas limitações orçamentárias e até mesmo de recursos humanos, dada a escassez de formações especializadas, para a concepção e implantação de determinados temas e projetos que possam ser de interesse de seus Munícipes.

Há, por outro lado, uma escalada de transferência de responsabilidades executivas para o Município, cuja condução e execução demanda, igualmente, a cada dia, mais e maiores acessos a recursos orçamentários e de transferências de rendas diretas da União ou dos Estados Federados. O que, por sua vez, enseja ao Município uma certa dependência e vinculação política e administrativa.

Dentre as principais e hodiernas obrigações que os Municípios assumiram de maneira transversa, por meio de acordos internacionais, há de se destacar a necessidade de cumprimento da agenda 2030 da ONU, a qual estabeleceu 17 objetivos que se entrelaçam e complementam, com fincas a propiciar a convergência de políticas públicas em prol de um modelo de desenvolvimento sustentável mais solidário – ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).

Abrangentes e conectados, os ODS fornecem orientações claras e metas específicas para que o poder público cumpra em áreas prioritárias como saúde, educação, meio ambiente, economia e justiça. São medidas e ações verdadeiramente impactantes para o desenvolvimento humano, ambiental e social. Ações e objetivos que, pela sua própria nobreza, demandam esforços igualmente singulares para a sua consecução.

Os 17 objetivos a serem alcançados são:

– Erradicação da pobreza;

– Fome zero e agricultura sustentável;

– Saúde e bem-estar;

–  Educação qualidade;

– Igualdade de gênero;

– Água potável e saneamento;

– Energia limpa e acessível;

– Trabalho decente e crescimento econômico;

– Indústria inovação e infraestrutura;

– Redução das desigualdades;

– Cidades e comunidades sustentáveis

– Consumo e produção responsáveis;

– Ação contra mudança global do clima;

– Vida na água;

– Vida terrestre;

– Paz, justiça e instituições eficazes;

– Parcerias e meios de implementação

Tratam-se, pois, de uma agenda de políticas afirmativas de alto valor histórico e social, cuja obrigatoriedade da implementação tem dia e hora para se ultimar: ano de 2030.

Especificamente, a atuação dos gestores municipais, por sua vez, precisa ser dinâmica e célere o suficiente para identificar e alcançar soluções eficazes, rápidas e viáveis, notadamente, sob a ótica orçamentária, a fim de elidir as consequências jurídicas de eventuais omissões na gestão da coisa pública.

Com efeito, a despeito da ausência do caráter compulsório, a atuação para implementação das ODS no Brasil, constitui um compromisso público e global assumido pelo País, razão pela qual diversas instituições já estão atuando para consecução e alcance das metas fixadas.

Vale pontuar que as 17 metas expressas nos ODS convergem para as próprias normas constitucionais já vigentes no País, de modo que a adoção de um plano de ação para implementação de tais objetivos significa, em síntese, o cumprimento das próprias diretrizes constitucionais, sob pena de consequências negativas para os Municípios e a eventual responsabilização do gestor público, por suas ações e omissões.

Pensando em contribuir com soluções práticas, temos como uma das mais vitoriosas maneiras de se impulsionar o implemento de políticas públicas voltadas para o bem estar da população local e para o desenvolvimento empresarial, no contexto da agenda 2030 da ONU é, sem dúvida alguma, o instituto da Parceria Público Privada, assim como já amplamente demonstrado pelas exitosas experiências.

As PPP proporcionam o ambiente adequado que une a capacidade executiva do empresariado com a responsabilidade política dos Municípios que, tem grande contrapartida para oferecer ao seguimento privado.

Para tanto, dispõe o Município, ainda, de um mecanismo legal importantíssimo e de alta resolutividade que são os consórcios intermunicipais multifinalitários.

Tais consórcios, aliados a uma estruturação política público privada, passam a deter musculatura ideal para o implemento das ODS com otimização de recursos humanos, racionalização de recursos orçamentários, além de promoverem a criação de um sistema que se retroalimenta na perspectiva da alavancagem de geração de empregos e rendas para o setor privado e maior eficiência administrativa para o Município

Essa modelagem, PPP e CIM, com foco no cumprimento das metas do milênio da ONU, propiciarão uma dinâmica jamais vista de reunião de esforços empresariais, administrativos e, sobretudo, políticos, pois, as Câmaras Legislativas participarão como protagonistas de toda regulamentação dessa que pode ser uma verdadeira força-tarefa para a solução de questões fundamentais cujo implemento urge e os resultados a serem auferidos serão de alta relevância.

Dr. Hebert Chimicatti
Presidente da Chimicatti Advogados

O controle externo na prevenção de desastres ambientais

O controle externo na prevenção de desastres ambientais

Como a fiscalização e orientação dos Tribunais de Contas podem evitar retrocessos

No candente contexto da ocorrência de desastres ambientais que recentemente assolaram o país, foram editadas, no mês de junho deste ano, duas normas que complementam a legislação ambiental e urbana vigente, além da Política de Proteção e Defesa Civil, em prol da gestão de riscos e respostas a catástrofes da espécie: o Decreto federal nº 12.041/24, que estabelece o Programa Cidades Verdes Resilientes, e a Lei federal nº 14.904/24, que determina a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima para todos os entes federativos.

Apesar da novidade desses diplomas normativos, o tema em si não é novo. No plano internacional, Conferências das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres ao longo de décadas jogaram luzes para a importância de políticas públicas voltadas, inicialmente, para ações de resposta e reparação de danos de desastres e, em seguida, para a gestão do risco e fomento da resiliência.
Dois pontos podem ser destacados dessa abordagem: o primeiro são as evidências de que os gastos com ações de resposta e reparação superam em larga escala as despesas com prevenção. Nesse aspecto, vale mencionar que reportagem da Folha de S. Paulo apurou gastos do governo federal de R$ 1,05 bilhão para fazer frente a consequências de desastres em 2023, enquanto apenas R$ 36 milhões foram gastos com prevenção.

O segundo ponto é reconhecer que os desastres não são, em sua maioria, eventos imprevisíveis, sobretudo com o avanço tecnológico e aprimoramento das ciências meteorológicas, no caso de crises climáticas. Na realidade, o desastre ambiental resulta da interação entre concomitantes riscos e vulnerabilidades, agravada por falhas regulatórias. Daí a relevância da elaboração de políticas públicas que facilitem a gestão de riscos e evitem retrocessos socioambientais.

Apesar de não ser o formulador das políticas públicas, o controle externo está diretamente envolvido com essa missão. Os Tribunais de Contas rotineiramente analisam as despesas dos governos com a prevenção e a resposta aos desastres, tecendo recomendações e orientando quanto à previsão desses dispêndios nas leis orçamentárias, em especial para o fim de torná-las mais consistentes no planejamento de longo prazo e, assim, mitigar o impacto dos danos.

O caráter pedagógico dos Tribunais de Contas ganha força com inúmeras ferramentas postas à disposição dos gestores e que fortalecem também o controle social, a exemplo, o Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEG-M Brasil. Diversos de seus quesitos estão em harmonia com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

No que se refere à temática aqui tratada, duas áreas do IEG-M ganham destaque: i-Ambiental e i-Cidades. Em coleta desses dados realizada em 2022 e divulgada neste ano de 2024, foi possível identificar o quão defasados ainda estamos na preparação e na resposta aos desastres.
De se destacar que, do total de 2.239 municípios respondentes ao IEG-M Brasil, a média do i-Amb foi a nota C, ou seja, baixo nível de adequação.

Detalhando um pouco mais os seus quesitos, pode-se identificar, como ponto de atenção, que 679 municípios não participaram de nenhum programa de educação ambiental em 2022.

No que toca aos aspectos de planejamento, 548 não editaram um Plano Municipal de Saneamento Básico e, daqueles que o fizeram e que monitoram suas metas, 20% não possui nenhum cronograma com relação a essas metas. Dos 80% que o possuem, 53% não consegue cumprir os prazos ou atingem poucas das metas previamente estabelecidas.

Já no que se refere aos resíduos sólidos, a situação também é alarmante: 718 municípios ainda não possuem um Plano Municipal de Resíduos Sólidos, em total descompasso com a Lei federal nº 12.305/2010 e indicando completo despreparo para gerir os resíduos dos próprios desastres.

Quanto ao i-Cidades, os dados revelam que dos 2.239 municípios, apenas 1 preencheu a qualificação B+ (muito efetiva), tendo todos os demais igualmente aparecido na faixa de conceito C (baixo nível de adequação).

Nesse ponto, é de surpreender que, se por um lado, 78% dos municípios estruturaram suas equipes da Defesa Civil com uma Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil, 55% não capacita seus agentes.

O índice ainda demonstra que 942 municípios não mapearam áreas de risco de desastres em seus territórios até o ano de 2022, a despeito da correspondente determinação no artigo 42-A do Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/01). Ademais, 472 municípios não possuem mecanismos para proibir novas ocupações de áreas de risco, perpetuando não apenas vulnerabilidades para perdas de vidas e de bens no caso de um desastre, como também problemas de moradia digna.

Há de se destacar que 1.226 municípios informam a população sobre áreas de risco, sendo as divulgações majoritariamente feitas por meio das redes sociais. Por outro lado, 988 não possuem um canal de atendimento de emergência para a ocorrência de desastres, sendo que a maior parte dos que o possuem utiliza o telefone. Além disso, 621 não possuem sistema de alarme.

Esses dados denotam que aspectos básicos da estruturação da defesa civil são precários, estando os municípios carentes de ações mínimas de prevenção e resposta diante de eventos adversos da natureza, situação que não deve perpetuar, além de estar em completo descompasso com a legislação vigente e com as premissas do direito às cidades resilientes.

O diagnóstico, porém, é reversível e depende de boas ações de planejamento e execução orçamentária. O IEG-M Brasil, nesse aspecto, é um importante aliado dos gestores para evidenciar as prioridades de atuação e constitui ele próprio, por meio de seus quesitos, uma espécie de norte de atuação em prol da sustentabilidade. A ferramenta é acessível a todos por meio do link: https://iegm.irbcontas.org.br/ e aqui fica o nosso convite a esse acesso, visando ao aprimoramento das políticas públicas, da gestão orçamentária e dos riscos ambientais, a fim de pouparmos não só recursos financeiros, mas principalmente, vidas.

Cristiana de Castro Moraes
Conselheira-Corregedora do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo Pre-
sidente do Comitê Técnico de Avaliação de Indicadores de Gestão Pública – IEG-E/IEG-M e Vice-Presidente de Desenvolvimento e Políticas Públicas
do Instituto Rui Barbosa – IRB; Membro do Comitê Técnico de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Instituto Rui Barbosa – IRB

Manuela Prado Leitão
Assessora Técnica de Gabinete do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo; Assistente Técnica do Comitê Técnico de Meio Ambiente e Sustentabilidade – IRB; Pós-Doutora pelo Centro de Síntese USP Cidades Globais, IEA/USP

REFERÊNCIAS:

FARBER, Daniel. Disaster Law and emerging issues in Brazil. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). 4 (I): p. 2-15, jan-jun. 2012.

FOLHA DE S. PAULO. Caderno Cotidiano. “Só 3% dos gastos do governo Lula com gestão de desastres vão para prevenção”. 19/01/2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/01/so-3-dos-gastos-do-governo-lula-com-gestao-de-desastres-vao-para-prevencao.shtml . Acesso em 9 jul. 2024.

LEITÃO, Manuela Prado; MALHEIROS, Tadeu Fabrício. Dos Riscos à Sustentabilidade Sistêmica: o necessário uso de indicadores pelos gestores públicos. Disponível em: http://www.iea.usp.br/pesquisa/projetos-institucionais/usp-cidades-globais/artigos-digitais/dos-riscos-a-sustentabilidade-sistemica-o-necessario-uso-dos-indicadores-pelos-gestores-publicos. Acesso em 9 jul. 2024.

MALHEIROS, Tadeu Fabrício; COUTINHO, Sonia Maria Viggiani; PHILIPPI JR, Arlindo. Indicadores de sustentabilidade: uma abordagem conceitual. IN: PHILIPPI JR, Arlindo; MALHEIROS, Tadeu Fabrício (Ed.). Indicadores de Sustentabilidade e Gestão Ambiental. cap. 2, p. 31-76. Barueri: Manole, 2012.

PINTO, Élida Graziane. Não é sustentável gerir mudança climática por crédito extraordinário. CONJUR, 14/05/2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-14/nao-e-sustentavel-gerir-mudanca-climatica-por-credito-extraordinario/ . Acesso em 20 maio 2024.

UNDRR – Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres. Disponível em: https://www.undrr.org/ . Acesso em: 09 jul. 2024.

Propaganda eleitoral: novas regras de IA e Deepfakes transformam as campanhas municipais

Propaganda eleitoral: novas regras de IA e Deepfakes transformam as campanhas municipais

A propaganda eleitoral nas eleições municipais de 2024, que teve início oficial em 16 de agosto, marca o começo de uma fase crucial para as candidaturas. Este período é destinado à apresentação das propostas e ideias de candidatos e candidatas aos eleitores, sendo regulamentado pela Resolução nº 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com as recentes atualizações introduzidas pela Resolução nº 23.732/2024. Essas mudanças refletem as novas realidades tecnológicas, incluindo restrições ao uso de deepfakes e a exigência de transparência no uso de inteligência artificial (IA).

Esta é a sua primeira edição, que será atualizada anualmente a partir de 2024, permitindo comparações temporais de desempenho socioambiental. O índice é dividido em três divisões principais: necessidades humanas básicas, fundamentos para o bem-estar e oportunidades, cada uma composta por quatro componentes que formam a média final, variando de 0 a 100.

Cada dimensão é composta por diversos indicadores, como acesso à educação, saúde, saneamento básico, segurança, meio ambiente e liberdade individual. No relatório divulgado, foram utilizados mais de 300 indicadores para avaliar os 5.570 municípios brasileiros, com base em dados oficiais e de instituições renomadas.

A cartilha publicada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) resume as condutas permitidas e proibidas durante a campanha eleitoral. A publicidade pode ser realizada em diversas plataformas, como internet, imprensa escrita, veículos e propriedades particulares, desde que obedecidas as regras estabelecidas. Uma novidade importante é a proibição do uso de deepfakes, que são conteúdos manipulados digitalmente com IA para falsificar vozes ou imagens humanas, visando à desinformação. Além disso, o uso de IA na propaganda eleitoral deve ser claramente identificado.

A legislação também regula o uso de robôs, ou chatbots, na interação com o eleitorado, proibindo a simulação de diálogos com candidatos ou outras pessoas. Qualquer manipulação digital que difunda notícias falsas, com potencial para prejudicar o equilíbrio do pleito ou a integridade do processo eleitoral, está sujeita a sanções severas.

A internet se consolidou como uma plataforma central para a propaganda eleitoral, permitindo a divulgação em blogs, páginas pessoais, redes sociais e aplicativos de mensagem instantânea. A contratação de disparos em massa de conteúdo, contudo, é proibida, assim como qualquer propaganda eleitoral paga na internet, exceto o impulsionamento de conteúdos, que deve ser claramente identificado e contratado por candidatos, partidos ou federações.

Essa modalidade de publicidade digital, popularizada nas últimas eleições, permite que os conteúdos das campanhas alcancem um público mais amplo e direcionado. No entanto, as plataformas que prestam esses serviços têm a obrigação de manter um repositório público e atualizado em tempo real com todas as informações relevantes sobre os anúncios impulsionados, como valores pagos e responsáveis pelo conteúdo. Essa medida visa garantir a transparência e permitir o controle social.

Com o avanço da tecnologia, o uso de IA na produção e disseminação de conteúdo tornou-se uma preocupação crescente. A legislação eleitoral brasileira já prevê penalidades para a disseminação de informações falsas ou enganosas. Paulo Hamilton, advogado e ex-juiz do TRE-SP, explica: “a legislação eleitoral brasileira prevê penalidades para a disseminação de informações falsas ou enganosas, e a justiça eleitoral tem ampliado seu entendimento para incluir novas formas de manipulação digital. Além das consequências jurídicas, o uso de deepfakes também pode gerar repercussões éticas e danificar a imagem pública dos envolvidos. O TSE, recentemente, alterou a Resolução nº 23.610/2019 que trata de propaganda eleitoral, em que regulou o uso da inteligência artificial (IA) na propaganda de partidos, coligações, federações partidárias, candidatas e candidatos nas Eleições Municipais de 2024. Em que tratou da proibição das deepfakes; obrigação de aviso sobre o uso de IA na propaganda eleitoral; restrição do emprego de robôs para intermediar contato com o eleitor (a campanha não pode simular diálogo com candidato ou qualquer outra pessoa); e responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos”.

Entretanto, a identificação e remoção rápida de fake news continuam a ser um dos principais desafios enfrentados pelos órgãos reguladores. Hamilton destaca que o maior desafio jurídico é identificar com rapidez às notícias falsas e sua exclusão imediata dos meios digitais. A justiça eleitoral tem reforçado sua atuação para garantir que essas notícias sejam retiradas dos meios digitais com a maior celeridade possível, evitando danos irreparáveis ao processo eleitoral.

A realização de lives eleitorais é permitida pela legislação, desde que as mesmas regras aplicáveis à propaganda na internet sejam observadas. Isso inclui a proibição de transmissão ou retransmissão em sites, perfis ou canais de pessoas jurídicas e por emissoras de rádio e televisão. As lives têm se mostrado uma ferramenta poderosa para candidatos se conectarem diretamente com o eleitorado, oferecendo um espaço para discussões ao vivo sobre suas propostas e interações em tempo real com os cidadãos.

Embora a internet seja o foco principal das campanhas modernas, a imprensa escrita, o rádio e a televisão ainda desempenham papéis significativos na divulgação das candidaturas. A legislação permite a publicação de até dez anúncios de propaganda eleitoral por veículo na imprensa escrita, com limites de espaço por edição e a necessidade de divulgação visível dos valores pagos. Já o horário eleitoral gratuito, que será veiculado entre 30 de agosto e 3 de outubro, continua sendo uma importante plataforma para que candidatos alcancem o eleitorado em massa.

As consequências legais para candidatos e partidos que utilizam deepfakes ou outras formas de manipulação digital são graves. A legislação eleitoral prevê penas que podem incluir reclusão e multa, dependendo das circunstâncias específicas. Se comprovado que a manipulação digital interferiu no resultado da eleição, o Ministério Público Eleitoral pode pedir a cassação do candidato ou a declaração de inelegibilidade, entre outras sanções.

Paulo Hamilton observa que: “a criação e divulgação de deepfakes e as outras formas de manipulação de digital, pode configurar diversos tipos de crimes, especialmente relacionados à honra, como calúnia, difamação ou injúria, resultando em pena de reclusão e multa, dependendo das circunstâncias específicas de cada caso, nos termos do art. 323 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965). Se ficar comprovado que a conduta irregular também caracterizou abuso de poder econômico e interferiu no resultado da eleição, o MP Eleitoral pode pedir, ainda, a cassação do candidato ou a declaração de inelegibilidade, entre outras sanções”.

A justiça eleitoral brasileira tem adotado medidas rigorosas para garantir a transparência e a ética na propaganda eleitoral, especialmente no contexto das campanhas municipais, que tendem a ter menos visibilidade e recursos em comparação com as campanhas estaduais e federais. A regulamentação atual exige que todos os conteúdos impulsionados sejam claramente identificados e que os provedores mantenham um repositório atualizado e acessível.

“Embora a regulamentação atual tenha sido eficaz em vários aspectos, deverá ocorrer o investido e aprimoramento de programas mais eficazes afim de constatar com mais exatidão e celeridade as deepfakes. Nessa seara, importante salientar, que as campanhas municipais têm menos visibilidade e recursos, em comparação com as campanhas estaduais e federais, frente a isso dois artigos acrescentados no texto de Lei trazem importante contribuição para coibir a desinformação e a propagação de notícias falsas durante as eleições. O artigo 9º-C proíbe a utilização, na propaganda eleitoral, ‘de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral’, sob pena de caracterizar abuso de utilização dos meios de comunicação, acarretando cassação do registro ou do mandato, bem como apuração das responsabilidades, nos termos do artigo 323 do Código Eleitoral e, o art. 9º-E estabelece a responsabilização solidária dos provedores, de forma civil e administrativa, caso não retirem do ar, imediatamente, determinados conteúdos e contas, durante o período eleitoral”, ressalta o advogado.