Entrevistado pelo JI, o respeitado jurista, desembargador aposentado, Henrique Nelson Calandra, diz que o Poder Judiciário é o único dotado da mais ampla fiscalização interna e externa. Lembra-nos que esse Poder é o refúgio inviolável das liberdades individuais, o escudo do cidadão anônimo. Como afirma o presidente da Uvesp, Sebastião Misiara, “o Poder Judiciário é o único que pode tornar sem efeito o ato do Poder Executivo ou negar aplicação a lei do Poder Legislativo. Sejam aquelas emanadas das mais Altas Cortes do País, quanto aquelas proferidas pelo mais modesto Juiz de primeira instância”.
1 • Dr. Calandra, em sua opinião, o momento institucional brasileiro passa por tormentas, ou o que acontece faz parte do processo democrático?
O conflito entre poderes do Estado em nossa época exibe para a sociedade uma autêntica desarmonia institucional, contrariando a ordem emanada pelo Poder Constituinte, inclusive o que está escrito em nossa bandeira: “ORDEM E PROGRESSO”. O desarranjo ético dos Poderes Legislativo e Executivo fez parir uma intervenção extremamente forte da Polícia, do Ministério Público, e, sobretudo, do Poder Judiciário, que usando as ferramentas legais delegadas pelo cidadão não hesitou em colocar no banco dos réus inúmeras pessoas até mesmo notáveis protagonistas políticos e empresariais. Como efeito, a população pode assistir ao encarceramento daqueles que se sentiam acobertados pelo manto da impunidade. A “guilhotina jurídica” criada por quem a idealizava como mera ferramenta de retórica finalmente mostrou seus aspectos práticos.
As tormentas institucionais mostram que nós, brasileiros, invisíveis aos olhos dos poderosos, de fato existimos. Aliás, mais do que isto! É notório que há uma transformação democrática em curso, cujo porto seguro será uma ampla assepsia dos mecanismos criados para capturar o poder através da corrupção.
2 • Qual a visão que tem sobre o Poder Judiciário na atualidade?
O Poder Judiciário é o único dotado da mais ampla fiscalização interna e externa. Em cada demanda, por exemplo, as partes, com seus respectivos advogados, e o Ministério Público, compõem ao menos cinco olhares vigilantes sobre tudo o que é feito. Além disso, o controle externo promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, por intermédio dos mecanismos eletrônico e pessoal, sempre observando as metas, permite que o Judiciário se mantenha de portas escancaradas para o cidadão, não obstante a sobrecarga de mais de 100 milhões de processos em trâmite. As sessões são transmitidas publicamente, onde jamais se nega soluções aos conflitos gerados no seio social, por mais estapafúrdios que possam parecer. Os menos favorecidos são sempre recebidos e atendidos. Em suma, a sua atuação vai da concepção ao funeral. Depois dele, a Justiça atua.
A morosidade que tanto se critica não é marcada por qualquer omissão dos protagonistas para respostas mais rápidas. A escassez de recursos é compensada com garra, coragem e fiel dedicação. A prova desta realidade espelha-se no fato de muitos magistrados, promotores e advogados estarem pagando com a própria vida nesta luta por um país melhor. A vocação desses operadores do Direito é a de não negar o compromisso de cumprir a Constituição da República e toda a legislação pátria.
3 • O ministro Dias Tóffoli assume em setembro a Suprema Corte. Qual a leitura que o senhor faz de um paulista de Marília no comando do mais alto degrau do judiciário?
O Ministro Dias Toffoli é filho de uma família numerosa, que tem origem no interior de São Paulo, mais precisamente em Marília. Tive a honra de encontrá-lo ainda nos bancos da velha Academia do Largo de São Francisco, quando eu, ainda exercendo minha função de magistrado, e Herman Benjamim, representando o Ministério Público, lutávamos pela criação de uma legislação consumerista no Brasil. Sempre sério, estudioso e compenetrado, o Ministro Dias Tóffoli certamente fará de sua gestão um grande marco na história da Suprema Corte. Seus críticos desconhecem a paixão que possui pela justiça, bem como o seu obstinado desejo de servir ao Brasil.
4 • Fala-se muito na morosidade da justiça. Já Montaigne sai em defesa, pois louvava a morosidade da justiça, porque entendia que o julgamento não deve ser precipitado, mas fruto de reflexão desapaixonada. Comente isso?
A Justiça de hoje precisa ser célere e desta forma pode atuar. O pensamento de Montaigne sobre a necessidade de caminhar com vagar quando se trata de julgar é válido, mas apenas em relação às questões de alta complexidade, nas quais vidas podem ser destruídas. Porém, com os recursos materiais e intelectuais de hoje, em plena era da Informática, é natural que se exija maior rapidez. Convém destacar a lição de Ruy Barbosa: “Justiça tardia é rematada injustiça.”. Rápido e bem feito é o que temos de produzir hoje. Nem deuses, nem máquinas, apenas o “pão da Justiça” para aqueles que dela têm fome.
5 • Às vésperas das eleições, qual o perfil do presidenciável ideal em sua opinião? O que o Brasil precisa? Que exemplo internacional seguir?
A eleição que se aproxima pode ser apelidada de eleição da angústia e da dúvida. Os ídolos que o povo elegeu eram de barro e quebraram, mas agora chegou o momento da reconstrução. Penso que o primeiro requisito para ocupar o comando do país seja o de acumular mais experiência em cargo público; o segundo, a vocação para o diálogo; e por fim, a formação técnica e cultural. Ser protagonista de um dos Poderes requer bom humor e amor incondicional pelo Brasil.